Um tema delicado!

Hoje teria imensos temas sobre os quais poderia falar, temas todos eles diferentes, todos eles importantes. (i) Poderia falar da vitória do Bote Santo Cristo II na prova de botes baleeiros da ilha do Pico na modalidade desportiva de Vela, uma vitória contra tudo e contra todos e  que permitiu à freguesia de São João arrecadar pelas mãos do oficial Lídio o seu primeiro grande troféu desde que possuem um bote baleeiro; (ii) Poderia falar da precariedade cultural que têm sido os constantes programas  e debates eleitorais que têm antecedido às eleições que terão lugar a 4 de outubro; (iii) Poderia falar das promessas não cumpridas por parte de Juntas de Freguesia, demonstrando que a palavra dada em determinado acordo de nada valem. De juntas de freguesia que sendo entidades públicas deveriam dar o exemplo da seriedade mas que teimam em não ter a noção do seu real peso na vida e na formação dos seus habitantes (iv) Poderia falar da Semana dos Baleeiros, da procissão marítima da Nossa Sra. Lourdes e do facto do Bote Santo Cristo II ter participado pela primeira vez em tal “celebração” ou sobre a “confusão” gerada pela  questão ambiental sobre a localização da tenda electrónica; (v) Poderia falar da “incredibilidade” que é o facto de não existirem voos disponíveis entre Lisboa – Pico e os que existem (mesmo com o reembolso da tarifa de residente) serem inicialmente proibitivos para  a maioria dos comuns, entre tantos outros temas que teria para falar.
Mas para este artigo, e como que incentivado, preferi falar acerca da minha visão sobre o caso dos refugiados sírios.

Nos últimos dias, tenho ouvido e visto nos mais diversos meios de comunicação social as mais variadas opiniões e desabafos sobre o caso dos refugiados sírios. As constantes comparações entre a classe pobre do nosso país e o drama do povo sírio chegam mesmo a roçar a pura xenofobia. São duas situações inaceitáveis e de extrema dureza social, mas são também duas situações completamente incomparáveis.

Em primeiro, porque é completamente inaceitável que pessoas por causa das politicas adoptadas de forma descuidada e descabida pelos sucessivos governos dos últimos anos vivam na pobreza. Que, por causa dos constantes assassinatos dos postos de trabalho que as atuais leis laborais têm fomentado, existam pais que não têm dinheiro para alimentar ou sustentar os seus filhos, mas, também é inaceitável que fechemos os olhos ao pesadelo que os países ocidentais, nomeadamente os países pertencentes à NATO, criaram através dos seus programas de intervenção militar aos habitantes dos mais diversos países, como é o exemplo prático da Síria. Não podemos simplesmente fechar os olhos e fingir que nada se passa, não podemos simplesmente deixa-los morrer como se nada fosse!

Em segundo, porque esses mesmos comentários são oriundos de alguma falta de conhecimento, muitas vezes, propositadamente camuflada pelos nossos meios de comunicação social para que se instale o medo e o preconceito sobre tudo aquilo que nos é diferente. Essa política do medo é tão real como o  facto de nos últimos dias terem aparecido noticias com os seguintes títulos sensacionalistas “Muçulmanos atiram cristãos ao mar em barcos de imigrantes” in Tvi24 ou até mesmo, “Estado Islâmico quer conquistar Portugal até 2020” in conexão lusófona.

Estes preconceitos ideológicos, originaram mesmo nas redes sociais os mais diversos comentários. A população em geral questiona-se e tira conclusões precipitadas sobre factos que por vezes têm pouca informação, ou pior, conclusões criadas com base em informações distorcidas. É normal que a população tenha medo, que se questione sobre o facto de virem a ser recebidos em Portugal entre 3.000 a 5.000 refugiados, mas, esse número que parece tão elevado corresponde a apenas 0,03% da população portuguesa e a um número que corresponde a menos de 1/3 do total de habitantes da ilha do Pico. 3.000 refugiados não chegavam para encher o “bairro” de Lisboa onde residia antes de me mudar para o Pico!

Em terceiro lugar, e do ponto de vista económico, Portugal vai receber através do Fundo de Asilo, Migração e Integração (AMIF na sigla inglesa) mais de 38 Milhões de euros que terão como objetivo principal o apoio à integração dos refugiados. Valor que deverá ser canalizado para o apoio à educação e à criação de oportunidades de trabalho, não havendo por isso, qualquer montante a ser assumido diretamente pelo Orçamento de Estado português! Mais, falamos em 3.000 novas pessoas em plena “força de trabalho” que podem ser uma mais-valia para qualquer região do país que esteja em franco sinal de desertificação. Imaginemos o que seria se o concelho das Lajes do Pico recebesse 3.000 novas pessoas (certamente dos quais cerca de 1.000 a 1.500 seriam crianças).  Neste pressuposto, a população das Lajes do Pico quase que duplicaria, o Centro de Saúde já não teria problemas em se manter no ativo (dificilmente alguém diria que o mesmo teria que encerrar as urgências por causa dos rácios de custos), as escolas passariam a ter mais crianças, seriam necessários novos professores e novas auxiliares de educação e o comércio teria lugar a um novo incentivo para o seu aparecimento. Já imaginámos os postos de trabalho que seriam gerados se fossemos realmente capazes de proceder a uma verdadeira inclusão social dos refugiados sírios?


Em quarto lugar, é extremamente importante antes de formarmos qualquer ideia, sabermos o real significado da palavra refugiado. E utilizando o dicionário, podemos concluir de forma sucinta que, “refugiado é toda a pessoa que (...) encontra-se fora do seu país de origem e que por causa dos temores, não pode ou não quer regressar (...) devido à generalidade violação de direitos humanos.”

É importante tentar perceber quais são os nossos medos para com o povo sírio, tentar perceber que mal nos fizeram para que não consigamos ser capazes de apoiar um ser humano que simplesmente se encontra em tal estado de calamidade e cuja a sua única possibilidade é ter de fugir do seu país. É importante questionarmo-nos se o Povo sírio que hoje procura apoio, é o causador dos nossos problemas. O nosso medo, o medo de competir com os sírios no mercado de trabalho, não nos pode influenciar a usar a nossa força para prejudicar alguém que simplesmente está disposto a qualquer coisa só pelo facto de ter um local seguro para si e para a sua família. O nosso esforço, deve sim ser usado para lutar contra aqueles que simplesmente causam esse estigma, que se aproveitam das necessidades de outros seres humanos para que possam ter maiores margens e maiores lucros!


O problema da síria é bastante anterior ao primeiro navio que foi encontrado com imigração ilegal. A Síria, antes da intervenção dos EUA era um país democrático, mas isso são histórias que certamente abordarei num próximo artigo.

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