«Um presidente não deveria dizer isto…» mas disse!
Durante oito anos ouvi
sistematicamente dizer que vivi acima das minhas posses e com dinheiro que não
tinha! Durante oito anos, fui acusado tal como todos os portugueses, de
esbanjar o que podia e o que não podia, de não me saber governar e de isso ser
um hábito comum a todos os “europeus da
periferia”.
Em prol da Europa e dos seus
“padrões”, debruçámo-nos, rebaixámo-nos e fomos aceitando que o enxovalho com
que erámos diariamente atacados se tornassem numa “efetividade” da nossa
maneira de ser. Quem nos supostamente “defendia”, aceitou de bom agrado todo
esse “linchamento popular” e, por sua autoiniciativa, açoitou a população com
um número maior de chibatadas do que aquelas que haviam sido decretadas. Tudo,
diga-se, em prol do cumprimento de uma das maiores regras da União Europeia e
da sobrevivência do Euro, o Défice!
A Europa, que tanto apontou o
dedo aos países do sul, é hoje posta a nu através do livro «Un président ne
devrait pas dire ça» (Um presidente
não deveria dizer isto) de dois jornalistas franceses com base nos testemunhos
de François Hollande. Ao longo das suas “horripilantes” páginas, o Presidente
Francês, afirma que a França pôde usufruir de condições especiais no que
respeita ao incumprimento do seu défice, condições essas, que foram aceites
através de “acordos secretos” entra a União Europeia e a França no ano de 2012.
De certo modo, o que se pode depreender de toda esta “confusão
literária”, é que os tão proclamados europeístas franceses fizeram tal como a
Grécia fez, isto é, “martelaram” as suas contas orçamentais, mas neste caso,
com um pequeno e minúsculo pormenor que fez toda a diferença, fizeram-no, mas
fizeram-no com a autorização do núcleo duro do centro da Europa.
Mas ainda mais grave que isso ser feito, é François Hollande assumir
essas regalias dizendo que é “um privilégio dos grandes países (…) nós dizemos:
nós somos a França, nós protegemos-vos, temos forças armadas, uma força de
dissuasão, uma diplomacia (…) Eles, os europeus, sabem que precisam de nós e,
portanto, isso paga-se”.
E infelizmente nesse aspeto, François Hollande teve e tem razão. Existe
um custo para pertencer a esta Europa e Portugal pagou e paga bem caro. Paga,
através das milhares de pessoas que viram as suas pensões serem afetadas. Paga,
através de tantas outras a quem os salários foram cortados, e continua a pagar
através de mais outros tantos a quem o salário deixou de existir por terem
literalmente sido “enviados” para o desemprego.
No fim de contas, exigir-se-ia no mínimo, que aqueles que supostamente
impuseram austeridade para nos defender, viessem hoje dizer, por que motivo
haveremos nós de continuar a aceitar as condições contraproducentes para o
crescimento económico que a europa nos obriga a tomar quando a França não é
obrigada a cumprir as metas do défice? Ou, porque é que a Alemanha que ano após
ano ultrapassa o superavit comercial legalmente estabelecido não é também
sancionada? Mas mais especificamente, que nos venham explicar o motivo pelo
qual um português ou um grego têm de fazer sacrifícios enormes em prol da
Europa e um francês, que afinal está nas mesmas condições que esses “povos da
periferia”, não tem essa obrigação?
Este episódio, com que esta europa de retalhos nos
presenteia, só aumenta mais as razões pelo qual não consigo nem posso aceitar
que nenhum outro europeu me volte a dizer que eu vivi, vivo ou viverei acima
das minhas possibilidades financeiras.
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