(...) Não sei por onde vou, Sei que não vou por aí! (...)
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...»
Prefiro
percorrer os caminhos mais longos e tenebrosos do que caminhar as “estradas” de
outros que tendem a controlar os nossos passos, ritmos e ideais. Pensar e ter
capacidade de raciocínio é o nosso bem mais precioso e é a ele que deveríamos
agradecer tudo aquilo o quanto conseguimos conquistar. Quando assim não
acontece, algo está mal, algo esta errado!
Saber o que quero e como quero é
importante, mas saber o que não quero fazer para o conseguir é bem mais
importante que simplesmente o conseguir. Se demorar uma eternidade, que assim
seja. E se não o conseguir, lamentá-lo-ei, mas trocar o que de bom nós temos
para algo que não somos, não é de todo uma alternativa que eu considere viável
ou até mesmo aceitável.
Destruir aquilo que durante anos
demorámos a construir é por vezes mais fácil do que podemos acreditar. É uma
fronteira ténue e está à distância de um simples passo ou de uma simples
atitude, e na maioria das vezes, sem hipótese de retrocesso.
«Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí... »
Se o caminho tiver de ser árduo, que
assim o seja! Será o meu caminho, o meu trajeto, e será sobre ele que
responderei todos os dias da minha vida. Será sobre ele e sobre a forma como o
percorri que chegarei sorrindo quando o meu objetivo for concretizado. Essa é a
minha escolha, uma escolha do caminho incerto na certeza que será o caminho do
qual sairei mais dignamente, e com a certeza que o caminho que me queriam a
percorrer não era o caminho certo para mim. Percorra-o quem o quiser percorrer,
podem até nele percorrer multidões, mas não será esse o caminho por onde eu
vou!
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...»
Se aquilo que eu pretendo ser como Homem
estiver à distância de uma simples baía, nunca irei conhecer o Horizonte, nunca
irei sentir a força das adversidades do mar e muito menos sairei da Baía onde a
minha vista desejou chegar. Se assim fosse, não se tinham Homens aventurado por
esses mares a fora. Não tinham esses Homens lutado bravamente por algo melhor e
seriamos todos uns simples animais “atrelados” a ideias de outros Homens que
conseguiram pensar e amarrar a nossa capacidade de raciocinar em seu proveito.
E tal como a fábula do Lobo e do Cão, cada um coloca o preço que quer à sua
liberdade.
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!»
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí! »
Poema: Cântico Negro de José Régio (1901-1969), do
Livro "Poemas de Deus e do Diabo" de 1925
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